O humor em
“Memórias de um Sargento de Milícias” e “Memórias Póstumas de Brás Cubas”
Manuel Antônio de Almeida
escreveu “Memórias de um Sargento de Milícias” em 1854, sendo que o tempo da
narrativa se passa no
período da vinda e permanência da Família Real no Brasil (1808-1822), conforme
a frase inicial do livro: “Era
no tempo do rei.”.
Estabelece-se assim um paralelo entre o presente e o passado.
O livro possui uma inversão de valores, dos personagens e da
sociedade em si, que se opõem aos romances românticos da época.
O foco narrativo acontece em 3ª. pessoa, com o narrador onisciente,
que interfere no texto, faz observações, procurando estabelecer um contato com
o leitor numa relação de camaradagem, como atesta o trecho a seguir: “... Voltemos à esquina.”. Apesar de ser onisciente, o narrador apenas
conta os fatos como se apresentam, com um olhar externo, mantendo
distanciamento sem envolvimento emocional e/ou psicológico.
O humor se faz presente através das oposições extremas, como
se percebe na comparação dos trechos a seguir: “...Os
meirinhos de hoje não são mais do que a sombra caricata dos meirinhos do tempo do
rei; esses eram gente temível e temida, respeitável e respeitada; formavam um
dos extremos da formidável cadeia judiciária que envolvia todo o Rio de
Janeiro...” e “...Os meirinhos de hoje são homens como
quaisquer outros; nada tem de imponentes, nem no seu semblante nem no seu
trajar, confundem-se com qualquer procurador, escrevente de cartório ou
contínuo de repartição.”.
Também há o uso de aumentativos, como em: “...Chamavam
assim a uma rotunda e gordíssima personagem de cabelos brancos e carão
avermelhado...” e
de adjetivos pejorativos, como: “...A
velhice tinha-o tornado moleirão e pachorrento; com sua vagareza
atrasava o negócio das partes...”.
Há a
crítica também aos costumes da sociedade, como por exemplo, à corrupção do
sistema judiciário, conforme o trecho: “...era
uma sentença de peregrinação eterna que se pronunciava contra si mesmo; queriam
dizer que começava uma longa e afadigosa viagem, cujo termo bem distante era a
caixa da Relação, e durante a qual se tinha de pagar importe de passagem em um
sem-números de pontos; o advogado, o procurador, o inquiridor, o escrivão, o
juiz, inexoráveis Carontes, estavam à porta de mão estendida,...”.
A caricatura, o que faz rir, a ironia, misturam-se em um
conjunto que retrata o ridículo de diversas situações que se desenrolam.
Já em
“Memórias Póstumas de Brás Cubas” (Machado de Assis - 1881), o tom de humor não
é baseado na ridicularização dos fatos, mas sim, no autodeboche e pouco caso do
leitor, como é verificado logo no começo o livro, em sua dedicatória: “Ao verme que primeiro roeu as frias
carnes do meu cadáver, dedico com saudosa lembrança estas memórias póstumas.”.
O foco
narrativo é realizado em 1ª. pessoa, com um narrador-observador, que é o
próprio protagonista, participando ativamente de toda a história, refletindo
sobre a falta de sentido da vida.
O
personagem se faz de modesto, mas ironiza o leitor comum ao fazer referências
que somente um leitor mais refinado saberia identificar, como segue: “...Que Stendhal confessasse haver escrito
um de seus livros para cem leitores, coisa é que se admira e consterna.”
(quem é Stendhal? – filósofo e escritor francês).
O enredo de
“Memórias Póstumas de Brás Cubas” em si é o que menos interessa sobressaindo o
modo como é narrado, pois Machado de Assis se utiliza de recursos linguísticos
para causar o deboche / humor e criticar com fina ironia o grande público
burguês da época, que liam as obras do Romantismo.
O autor
usa de propósito uma linguagem repleta de duplos sentidos, metáforas,
vocabulário mais erudito para justamente criticar os romances escritos. Uma das
figuras de linguagem também utilizada é a gradação, como no exemplo: “...é se este outro livro não tiver os cem
leitores de Stendhal, nem cinquenta, nem vinte, e quanto muito dez... Dez! Talvez
cinco.” Também acontece
no momento de seu funeral: “...Acresce
que chovia – peneirava – uma chuvinha miúda, triste e constante,...”.
O
protagonista conta sua história à medida que se lembra dos eventos que se
sucederam em sua existência. Ele mergulha no passado e medita sobre suas ações,
comportamentos, avalia os amigos, os familiares e revela um ponto de vista
sarcástico, hipócrita e desiludido de sua própria pessoa e dos que o cercam,
revelando que tudo que há na vida é um jogo de interesses: “...Bom
e fiel amigo! Não, não me arrependo das vinte apólices que lhe deixei.”
Nenhum comentário:
Postar um comentário