ÁNALISE DE POESIA CLÁSSICA versus POESIA CONTEMPORÂNEA: Camões e Glaco
Mattoso
Angela Maria J. Vitor Gabriela Rovero do Nascimento
Marcelo De’Omena Alves
Teresinha Ferreira da Cruz
RESUMO: O presente trabalho tem por objetivo efetuar uma análise
comparativa de sonetos, diacronicamente, entre os períodos clássico e
contemporâneo, sob uma perspectiva histórica, estética e social distintas. Para
isso, foi utilizado como corpus de
análise, poemas de Luís Vaz de Camões e Glauco Mattoso. O intuito é demonstrar
as diferenças e semelhanças entre os autores e o modus operandi de produção, ou seja, os aspectos envolvidos e considerados
na e para a construção dos sonetos.
PALAVRAS-CHAVE: soneto; clássico; contemporâneo; Camões; Glauco.
INTRODUÇÃO:
O
Renascimento foi um dos períodos mais férteis da cultura ocidental: Dante, Camões, Petrarca, Shakespeare,
Rabelais, Ronsard, Cervantes, Tasso, Ariosto, Michelangelo e Da Vinci, entre
outros. É um período marcado pela supervalorização do homem, pelo
antropocentrismo, pelo hedonismo (doutrina que considera o prazer individual e
imediato como o único bem possível, princípio e fim da vida moral) em oposição
ao teocentrismo, misticismo e ascetismo medievais.
Neste
período, Portugal vive o apogeu da nação, cujo Império, à semelhança do Império
inglês do século XIX, abrangia do Oriente (China, Índia) ao Ocidente (Brasil),
e marca, com Camões, a plena maturação da língua portuguesa.
Ainda
que, já no fim da Idade Média, os autores da Antiguidade clássica fossem
conhecidos em Portugal, só se pode falar em um estilo renascentista expressivo
a partir de 1527. Neste ano, o poeta Sá de Miranda retorna da Itália, onde
viveu entre 1520 e 1526, em contato com a literatura da Renascença italiana,
com o “dolce stil nuovo”, e inicia a
divulgação, em Portugal, das modalidades poéticas clássicas.
Esse
conjunto de procedimentos artísticos, chamados em Portugal de “A Medida
Nova”, consistia em:
a) Utilização de versos decassílabos, em lugar de
redondilhas tradicionais;
b) Predileção pelas formas fixas, inspiradas nos modelos
latinos e italianos, como: o soneto, o terceto, a oitava, a ode, a elegia, e
outras;
c) Na assimilação da influência formal e temática de autores
como: Horácio, Ovídio, Virgílio, Homero, Anacreonte, Sannazaro, e outros, além
da releitura de filósofos gregos como Platão e Aristóteles.
O
soneto é uma composição de forma fixa, com 14 versos, dispostos em 4 estrofes,
sendo 2 quartetos (ou quadras) e 2 tercetos. O desenvolvimento das ideias
subordina-se ao limite das estrofes.
Introduzido
em Portugal por Sá de Miranda, em 1527, coube a Camões assegurar o triunfo do
gênero, mercê de sua irresistível vocação lírica; do seu gosto pela análise das
finezas do sentimento amoroso; do equilíbrio entre agudeza conceitual, a
perfeição e a expressão comovida dos transes existenciais do poeta; da
musicalidade feliz que, por trás do rigor da construção, faz parecerem
espontâneos os decassílabos. Os sonetos de Camões são a parte mais conhecida de
sua lírica; os melhores que escreveu são os melhores de toda a literatura de
língua portuguesa.
No
soneto, atinge Camões uma admirável e rara variedade. O soneto se presta a
exercícios de engenho, como o vilancete e outras formas tradicionais; embora
por outro lado, a sua disposição em duas quadras e dois tercetos favoreça um
discurso em tese e antítese, seguidas de conclusão e desfecho sentenciosos; e
por outro ainda, essa mesma brevidade seja apropriada a uma grande concentração
emocional.
O
tom confidente e o individualismo exacerbado pela hostilidade do meio, o
inconformismo que luta pela sobrevivência, expressos com uma intensidade que
não tem paralelo em qualquer outro escritor clássico, conferem a Camões de
algumas canções e sonetos um caráter congênere daquele a que se convencionou
chamar “romântico”. Mas, em meio a este desabafo, o poeta conserva-se atento ao
desenrolar dos seus estados de espírito, à sucessão das emoções, recordações,
desejos, pensamentos, às respectivas contradições e aparente irracionalidade. É
uma inquirição que procura saída para as aspirações mais íntimas, através das
mudanças de um mundo hostil e impossível de ignorar na sua objetividade. A
realidade deste mundo é incomensurável com os ideais cavalheirescos e letrados,
com a ética religiosa e medieval, com a razão classificatória e escolástica,
com o estilo gótico literário.
A
experiência vivida e cultural de Camões, mal pode cingir-se às convenções da
sociedade da época. E assim, registra o conflito (e união) entre o desejo
carnal e o ideal do amor desinteressado, que consiste só no “fino pensamento”.
A beleza das coisas terrenas não passa de uma imitação da Beleza plena, que
existe substancialmente em um mundo a que este escreve somente de sombra.
VENCIDO ESTÁ DE AMOR
Luís Vaz de Camões
Vencido está de amor Meu pensamento
O mais que pode ser Vencida a vida,
Sujeita a vos servir e Instituída,
Oferecendo tudo A vosso intento.
Contente deste bem, Louva o momento
Outra vez renovar Tão bem perdida;
A causa que me guia A tal ferida,
Ou hora em que se viu Seu perdimento.
Mil vezes desejando Está segura
Com essa pretensão Nesta empresa,
Tão estranha, tão doce, Honrosa e alta
Voltando só por vós Outra ventura,
Jurando não seguir Rara firmeza,
Sem ser no vosso amor Achado em falta.
Glauco Mattoso e o Contemporâneo:
Dos movimentos diversos da poesia
contemporânea, não nos escapa aos olhos certa produção que lança mão do trabalho
com o verso livre ao recuperar o uso do soneto, e ainda, apresenta como traço
predominante o erótico e o escatológico, numa poesia que dialoga constantemente
com um grupo seleto de poetas de nossa tradição, como Gregório de Mattos a
Haroldo de Campos.
Falamos aqui da poesia de Glauco Mattoso,
autor que já construiu certa fortuna literária, mas ainda causa furor por onde
passa: seja pelos temas provocantes, pelas provocações aos pares, ou ainda pela
fama, já comprovada, de ser o poeta com maior número de sonetos produzidos em
língua portuguesa.
Glauco Mattoso, pseudônimo
de Pedro José Ferreira da Silva,
nascido em São Paulo, a 29 de junho
de 1951,
é um escritor
brasileiro.
Seu nome artístico é um trocadilho com glaucomatoso, termo usado para os
que sofrem de glaucoma,
doença que o fez perder progressivamente a visão, até a cegueira
total em 1995.
É também uma alusão a Gregório de Mattos, de quem se considera
herdeiro na sátira política e na crítica de costumes.
Glauco cursou biblioteconomia
na Escola de Sociologia e Política de
São Paulo e letras vernáculas na USP. Nos anos 70, no
auge da ditadura militar, iniciou sua carreira, editando o Jornal Dobrábil
(título que faz referência irônica ao Jornal do Brasil), publicação
artesanal de pequena tiragem feita em máquina de datilografia, que era
distribuída pelo correio a um grupo seleto de leitores, como Augusto de Campos
e Carlos Drummond de Andrade. A publicação apresentava poemas visuais com
nítida influência da Poesia Concreta, mas de conteúdo satírico, com referências
à situação política do país, e uma coloquialidade e irreverência típicas da
Poesia Marginal, de Cacaso e Francisco Alvim, da qual foi contemporâneo.
Os
poemas e breves crônicas que publicou no Jornal Dobrábil, usando
diversos pseudônimos, como Garcia Loca, já traziam a temática urbana,
homoerótica e fescenina, que acompanhariam toda a obra do autor, bem como o
interesse pelas formas fixas, como o soneto e o haicai.
Glauco
Mattoso cultiva a fama de escritor maldito com suas preferências excêntricas.
Ele é obcecado por pés masculinos, fetiche retratado tanto na prosa quanto na
poesia. O pé e a cegueira são temas centrais de muitos de seus livros. Através
da perversão sexual, o autor denuncia as perversidades sociopolíticas. Sua
temática, que funciona como alicerce do próprio soneto, abusa da pornografia e
escatologia, assim como os versos do poeta fescenino do século 17, cuja
referência é explícita. Escritas na forma do soneto, com métrica e rimas, suas
composições destoam, no entanto, de qualquer vocação conservadora, usando a
gíria, o palavrão e a pornografia, numa época marcada pela forte censura, que
levou à interdição de filmes, livros e músicas acusados de conteúdo “imoral” ou
“subversivo”.
As
referências de Glauco Mattoso passam de Camões a Augusto de Campos, de Gregório
de Matos a Luiz Delfino, de Sade a Cego Aderaldo, de Olavo Bilac a Millôr
Fernandes.
O
crítico e ensaísta carioca Pedro Ulysses Campos já dividiu a poesia de Glauco
Mattoso em duas fases: “a primeira seria
a Fase Visual (1970–1980), enquanto o poeta praticava um experimentalismo
paródico de diversas tendências contemporâneas; e a segunda a Fase Cega (1999
até hoje), quando o autor, já privado da visão, abandona os processos
artesanais, tais como o concretismo datilográfico, e passa a compor sonetos e
glosas”.
Em fevereiro de 2008, o escritor completou 2.300 (dois
mil e trezentos) sonetos de uma série iniciada em 1999, superando a histórica
marca do italiano Giuseppe Belli (1791-1863), que, em 1849, teria
composto, segundo consta, seu soneto de número 2.279 numa obra produzida, mormente, entre
1830 e 1839. Mattoso tem com Belli outra afinidade, além da copiosa produção: a
sátira
fescenina, que abusa da pornografia e da escatologia.
Também no aspecto lingüístico há paralelos: Belli versejava no dialeto
romanesco, falado na periferia da capital italiana, enquanto Mattoso incorpora
ao português brasileiro as gírias suburbanas e os neologismos contraculturais
da segunda metade do século XX, de mistura com o vernáculo castiço e com o
rigor formal, típicos do soneto clássico, composto em decassílabos
predominantemente heróicos. A diferença entre ambos os "malditos"
está na postura: Belli cedeu às pressões moralistas e aderiu à autoridade
católica, renegando o anticlericalismo que caracterizara sua temática; Mattoso
se mantém anarquicamente independente de quaisquer ideologias ou fisiologias, fiel
unicamente à sua biografia de cego sadomasoquista e fetichista. Belli,
mundialmente reconhecido, foi traduzido também para o inglês; Mattoso, que tem
sido objeto de estudos acadêmicos na América Latina e nos Estados Unidos,
alcança agora as universidades européias.
A partir dos anos 90, deixa de lado a
criação gráfica (história em quadrinhos e poesia
concreta) e passa a dedicar-se a escrever letras de músicas e à
produção fonográfica. Com o professor da USP Jorge Schwartz, ganha o Prêmio Jabuti
pela tradução que ambos fazem da obra inaugural de Jorge Luis
Borges, Fervor de Buenos Aires.
Nos anos mais recentes, retorna à criação de poesia escrita e textos
virtuais, produzindo textos e poesias para a internet, colaborando em revistas
eletrônicas e impressas, tais como a Caros Amigos.
SONETO MASOQUISTA
Glauco Mattoso
Divertem-se inventando outro projeto
de imposto que lhes renda um dividendo.
São tão filhos
da puta que só vendo,
capazes de criar até decretoque obrigue o pobre, o cego, o analfabeto
a dar mais do que vinha recebendo.
Acabo transformado no engraxate
Dum senador qualquer, dum Zé Mané.
à torpe obrigação de amar chulé,
lamber feito cachorro que não late.
CONSIDERAÇÕES
FINAIS:
Desenvolveu, com Sá de Miranda e outros
poetas do século XVI, uma produção lírica de duas medidas: de um lado, a
maneira medieval, tradicional, a poesia em “medida velha”, expressa nas
redondilhas (nome genérico dos poemas formados do verso redondilho maior, isto é, sete sílabas, ou redondilho menor, de cinco sílabas); de outro, a maneira clássica,
renascentista, a poesia em “medida nova”, subdividida em lírica, vazada em
sonetos, odes, elegias, canções, églogas, sextinas e oitavas, e em épica.
Se suas redondilhas em motes e glosas são
produto refinado de um talento criativo e perspicaz, seus sonetos constituem a
mais importante produção lírica em português de todos os tempos — afinal, as
soluções rítmicas e rimáticas, o domínio versátil do decassílabo, a fluência
sintática que confere raro poder dramático à leitura, a associação inusitada de
metáforas e imagens, os temas de uma atualidade surpreendente, fizeram da
sonetística camoniana um modelo e uma inspiração para toda a produção poética
de nossa língua até hoje.
O tema constante da produção lírica
camoniana é o Amor — assim grafado por representar a ideia, a essência, o ser
supremo que governa o sentimento amoroso do plano concreto humano.
Já os
poemas de Glauco Mattoso são representativos do diálogo entre tradição e
inovação na poesia contemporânea de língua portuguesa. A multiplicidade - de
suportes, de práticas de leitura e de autoria, de programas poéticos,
políticos, existenciais - é visível na poesia brasileira. Em seus livros
impressos e em seu site oficial, dialoga com diversos períodos e poetas e experimenta
diversas formas de produção e circulação do poema na contemporaneidade. Leitor
e autor confundem-se nos versos produzidos por Mattoso.
Sua publicação apresenta poemas visuais com
nítida influência da Poesia Concreta, mas de conteúdo satírico, com referências
à situação política do país, e uma coloquialidade e irreverência típicas da
Poesia Marginal.
Os poemas e breves crônicas trazem a
temática urbana, homoerótica e fescenina, que acompanham toda a obra do autor,
bem como o interesse pelas formas fixas, como o soneto e o haicai. Através da
perversão sexual, o autor denuncia as perversidades sociopolíticas. Sua
temática, que funciona como alicerce do próprio soneto, abusa da pornografia e
escatologia.
REFERÊNCIAS:
- MOISÉS,
Massaud. A Literatura Portuguesa - 35ª
reimpressão da 1ª. ed. de 1960 – São Paulo: Cultrix, 2008 (págs. 65-162);- http://www.uel.br/pos/letras/EL/vagao/EL9Art3.pdf
- http://revistacult.uol.com.br/home/2013/03/glauco-mattoso-o-anjo-de-botas-carcomidas/
- http://www.antoniomiranda.com.br/poesia_brasis/sao_paulo/glauco_mattoso2.html
- http://www.saraivaconteudo.com.br/Materias/Post/10588
- http://pt.wikipedia.org/wiki/Glauco_Mattoso
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