quarta-feira, 23 de novembro de 2016




     UNIP - Universidade Paulita
           CURSO: Letras - Licenciatura Português/Inglês
Campus Vergueiro – Período Noite
Disciplina: LITERATURA de LÍNGUA INGLESA/Prosa



Angela Maria J. Vitor                        
Carolina Lagarin Alípio                   





ANÁLISE LITERÁRIA:
“A Estética da Diferença e o Ensino das Literaturas de Língua Inglesa”


  
RESUMO: O presente trabalho tem por objetivo efetuar uma análise referente à importância do uso de textos literários para o ensino de Língua Inglesa (LI) e como as diferenças encontradas no ato de produção desses textos vêm interferindo na visão cultural, social, histórica e de relações de poder.


PALAVRAS-CHAVE: diferença; estética; texto literário; globalização; multiculturalidade.





               INTRODUÇÃO:

No Brasil, as perspectivas dos estudos gramaticais na escola, até hoje se centra, em grande parte, no entendimento da nomenclatura gramatical como eixo principal; descrição e norma se confundem na análise da frase, essa deslocada do uso, da função e do texto. A LDB 5692/71 vinha separando Língua e Literatura, repercutindo assim, a mesma divisão, na organização escolar: separação entre gramática, estudos literários e redação, como se leitura / literatura, estudos gramaticais e produção de textos não tivessem relação entre si.
Porém, o estudo de Língua Portuguesa e Língua Estrangeira Moderna (Língua Inglesa), na escola, vêm sendo direcionado para uma reflexão sobre o uso da língua na vida e na sociedade.
No que diz respeito ao ensino de Literatura e Língua Portuguesas, já há uma orientação do objetivo e como deve ser abordado o ensino dessas disciplinas em sala, normatizado nas DCNs, DCEs, PCNs. E o ensino de Língua Inglesa? Não temos na grade curricular nenhuma disciplina específica de Literatura de Língua Inglesa. Em geral, encontramos o ensino sistematizado de LI e de Literatura Brasileira, com alguns conceitos de leitura literária.
Nesse sentido, o texto literário é de suma importância, pois além de apresentar um material vasto e rico estimula a percepção do aluno como ser humano e como cidadão. Afora isso, através do conhecimento dos costumes e valores de outras culturas estrangeiras pode-se estimular nele um interesse e conhecimento ainda maiores da cultura do seu próprio país, permitindo inclusive um trabalho interdisciplinar com os conteúdos de língua portuguesa ou história, ou contrastivos dentro da própria disciplina de LI. Ao interagir com o texto, há a possibilidade de se explorar as quatro práticas discursivas: a leitura, a oralidade, a escrita e a compreensão auditiva, haja vista que, em situações reais de comunicação, elas não se manifestam isoladamente, pelo contrário, são influenciadas umas pelas outras. Daí a necessidade de se apresentar ao aluno textos de diferentes gêneros textuais para que ele perceba diferenças estruturais, reconheça autoria e interlocutor possível, além de possibilitar o confronto com as experiências de leitura que o mesmo vivencia em língua materna, preparando-o não somente para a aquisição de uma língua estrangeira, mas também para atuar criticamente em sociedade.
E essa criticidade é obtida ao entrar em contato com textos literários produzidos em diferentes partes do mundo e variados contextos. Levando em conta esse processo de produção, apresentamos a análise de uma narrativa – “A Estética da Diferença e o Ensino das Literaturas de Língua Inglesa”, um artigo escrito pela Dra. Profa. Cielo Griselda Festino, com base em referências como Homi Bhabha, John Caputo, David Damrosch, Jacques Derrida, Terry Eagleton e outros.
A Professora Cielo Festino é graduada em Professorado de Inglês pelo Instituto Nacional Del Profesorado Secundario Joaquin V Gonzalez (1983), possui mestrado (2000), doutorado (2005) e pós-doutorado em Língua e Literatura Inglesa pela Universidade de São Paulo – USP e pós-doutorado também na área de gêneros pós-coloniais pela Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG.

ANÁLISE:
          A narrativa discorre sobre os conceitos de estética e diferença mediante os textos produzidos em diferentes culturas distantes de nós, mesmo e, principalmente, as de Língua Inglesa (LI), chamados de “literaturas pós-coloniais”.
Segundo Damrosch (2009, p. 13) é necessário sempre considerar o contexto de produção de uma narrativa, principalmente as que são produzidas em outras sociedades culturalmente diferentes e distantes de nós em tempo e espaço, para que isto nos possibilite reconhecer a pluralidade da estética e suas variadas manifestações. Nos momentos em que nos detemos para analisar determinadas passagens, nos descortinam as diferenças e as riquezas dessas culturas.
Em princípio, nas narrativas literárias, o conceito de estética evoca universal, único, homogêneo e o da diferença é justamente o oposto, é o que é local, múltiplo, heterogêneo. Estes conceitos vistos descontextualizadamente do âmbito histórico-cultural são irreconciliáveis.
Após a II Guerra Mundial, o conceito de estética entendida como universal torna-se suspeita de colaborar para uma ideologia predominante      e precisa ser repensada em termos das novas relações culturais, que se processam em movimentos centrípetos, ou seja, fluxo constante de produção ocorrendo das margens (ex-colônias) para o centro (metrópole).
A visão universalista da estética é o produto de uma relação sensorial do indivíduo. Esta experiência sensorial é comum a todo ser humano, e este a experimenta de acordo com o contexto cultural da comunidade em que está inserido.
A partir das teorias pós-coloniais, o discurso da estética vem sendo entendido como sendo plural, localizado e comum a membros de uma determinada comunidade. E entendido como prática comunitária, verificamos que culturas diversas, por possuírem comunidades variadas, têm diferentes teorias estéticas. Essa Estética da Diferença, por um lado, torna visível o aspecto social da literatura, além do estético propriamente dito e, por outro, contribui para a aceitação e convivência do Outro diferente.
                Considerando que a “diferença” é sempre experimental, inovadora, está em constante transformação e multiplica-se em múltiplos contextos, torna-se esse o objetivo da Estética da Diferença: o amor do Outro por meio da apreciação de formas diferentes.
                Todo discurso é impregnado dos fatores externos do meio em que é produzido, sendo assim, não há estética inocente, pois perpassam questões ideológicas. O literário não é uma essência, e sim, o resultado de interação entre leitor e texto, mediante o contexto cultural. Assim, mesmo na hegemonia da cultura inglesa, narrativas literárias de determinadas comunidades procuram reduzir as do Outro diferente a simples autobiografias, sociais ou antropológicas, como se estas não tivessem valor literário ou estético, apenas porque não o reconhecem.
                Esse processo de reconhecimento da estética da diferença se realiza não somente pela inclusão desses textos literários (do Outro) de outras culturas, consideradas não hegemônicas ou de minoria no currículo escolar, mas também pela reconsideração da estética plural culturalmente localizada. Devemos considerar também o contexto em que essas leituras serão realizadas, pois a pluralização da estética trará uma profusão de significados dos textos literários.














           
PLANO DE AULA:
      I.        Plano de aula:
     II.        Dados de Identificação:
INSTITUIÇÃO:             E. E. Prof. Jesus José Attab.
PROF (as):    Angela Maria J Vitor
                                       Carolina Lagarin Alípio                                   
DISCIPLINA:                Língua e Literatura inglesa.
CURSO:                        9º ano.
PERÍODO:    3 a 4h/aulas.
    III.        Tema de estudo: Simple Past Tense e Saúde Pública – texto base: “OLIKOYE” (by Chimamanda Ngozi Adichie – english)
    IV.        O aluno deverá:
Ø  Identificar o tempo em que os verbos estão conjugados, isolá-los e coloca-los no infinitivo e Simple Present;
Ø  Reconhecer as críticas sociais apresentadas pelo autor, a intertextualidade e possíveis identificações com seu cotidiano.
Ø  Formular pequenos cartazes com outros alunos, contemplando a linguagem textual, onde eles terão a oportunidade de expor ideias e opiniões referentes ao tema abordado.
     V.        Desenvolvimento do tema:
a)     Convidar os alunos a efetuarem uma roda de leitura: onde cada um poderá ler em inglês e/ou interpretar o que entendeu da leitura do colega; concomitantemente (paralelamente), ir desenvolvendo a fala e a escrita do tempo verbal dos verbos empregados. Procurar também verificar a desenvoltura/variedade do vocabulário;
Após esse momento, levantar hipóteses do conhecimento prévio do aluno, onde ele será questionado a trazer suas ideias e opiniões para compartilhar com os colegas, sobre o sentimento, o conhecimento e condição de saúde pública de hoje;
b)     Em roda de conversa, os alunos terão a oportunidade de compartilhar trechos do texto que marcaram em sua concepção e que causaram certa inquietação com relação a outros temas transversais também ou o que eles gostariam de entender ou compartilhar, e o que isso influi na vida moderna;
c)     Os alunos deverão mostrar o tipo de material que eles escolheram para montar os cartazes, compartilhar em sala e explicar porque fez a escolha;
d)     Incentivar os alunos a escrever o que foi compreendido e o que eles gostariam de debater sobre o tema.
e)     Os alunos deverão produzir cartazes com informações sobre as questões abordadas. Essa produção será livre onde o aluno, terá a liberdade de escolha em relação a material e formas de linguagem verbal ou não verbal para passar a sua ideia.
    VI.        Conteúdo: Contexto histórico contemporâneo, cidadania, artes, conteúdo verbal e não verbal, produção textual, figura de linguagem e história.
   VII.        Recursos: lousa, giz, papel, revistas e jornais e PowerPoint.
  VIII.        Avaliação: a avaliação ocorrerá a partir participação oral do aluno, no compartilhamento das reportagens, redação a respeito da leitura e das questões sociais e a produção de cartazes informativos com ideias e propostas para compartilhar com os demais colegas da escola com relação ao tema abordado.
    IX.        Bibliografia:
Básica:         
Saiba mais:
- ADICHIE, Chimamanda Ngozi. Olikoye. A new short story by Chimamanda Ngozi Adichie. Disponível em: < http://www.geledes.org.br/olikoye-chimamanda-ngozi-adichie-english#gs.gLLi5nw > Acesso em 24/10/2016.
- FESTINO, Cielo Griselda. A Estética da Diferença e o Ensino das Literaturas de Língua Inglesa. Revista Gragoatá, Niterói, n. 37, p. 312-330, 2. sem. 2014. Disponível em: <http://www.gragoata.uff.br/index.php/gragoata/article/view/80> Acesso em 03/10/2016.

Complementar:

PARAMETROS CURRICULARES NACIONAIS (ENSINO MÉDIO) – PCNEM. Parte II: Linguagens, Códigos e suas Tecnologias. Brasil, 2000.

sábado, 21 de novembro de 2015

ANÁLISE COMPARATIVA DE TRECHOS DE OBRAS:

O humor em “Memórias de um Sargento de Milícias” e “Memórias Póstumas de Brás Cubas”


Manuel Antônio de Almeida escreveu “Memórias de um Sargento de Milícias” em 1854, sendo que o tempo da narrativa se passa no período da vinda e permanência da Família Real no Brasil (1808-1822), conforme a frase inicial do livro: “Era no tempo do rei.”. Estabelece-se assim um paralelo entre o presente e o passado.
O livro possui uma inversão de valores, dos personagens e da sociedade em si, que se opõem aos romances românticos da época.
O foco narrativo acontece em 3ª. pessoa, com o narrador onisciente, que interfere no texto, faz observações, procurando estabelecer um contato com o leitor numa relação de camaradagem, como atesta o trecho a seguir: “... Voltemos à esquina.”. Apesar de ser onisciente, o narrador apenas conta os fatos como se apresentam, com um olhar externo, mantendo distanciamento sem envolvimento emocional e/ou psicológico.
O humor se faz presente através das oposições extremas, como se percebe na comparação dos trechos a seguir: “...Os meirinhos de hoje não são mais do que a sombra caricata dos meirinhos do tempo do rei; esses eram gente temível e temida, respeitável e respeitada; formavam um dos extremos da formidável cadeia judiciária que envolvia todo o Rio de Janeiro...” e “...Os meirinhos de hoje são homens como quaisquer outros; nada tem de imponentes, nem no seu semblante nem no seu trajar, confundem-se com qualquer procurador, escrevente de cartório ou contínuo de repartição.”. Também há o uso de aumentativos, como em: “...Chamavam assim a uma rotunda e gordíssima personagem de cabelos brancos e carão avermelhado...” e de adjetivos pejorativos, como: “...A velhice tinha-o tornado moleirão e pachorrento; com sua vagareza atrasava o negócio das partes...”.
            Há a crítica também aos costumes da sociedade, como por exemplo, à corrupção do sistema judiciário, conforme o trecho: “...era uma sentença de peregrinação eterna que se pronunciava contra si mesmo; queriam dizer que começava uma longa e afadigosa viagem, cujo termo bem distante era a caixa da Relação, e durante a qual se tinha de pagar importe de passagem em um sem-números de pontos; o advogado, o procurador, o inquiridor, o escrivão, o juiz, inexoráveis Carontes, estavam à porta de mão estendida,...”.
            A caricatura, o que faz rir, a ironia, misturam-se em um conjunto que retrata o ridículo de diversas situações que se desenrolam.
            Já em “Memórias Póstumas de Brás Cubas” (Machado de Assis - 1881), o tom de humor não é baseado na ridicularização dos fatos, mas sim, no autodeboche e pouco caso do leitor, como é verificado logo no começo o livro, em sua dedicatória: “Ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver, dedico com saudosa lembrança estas memórias póstumas.”.
            O foco narrativo é realizado em 1ª. pessoa, com um narrador-observador, que é o próprio protagonista, participando ativamente de toda a história, refletindo sobre a falta de sentido da vida.
            O personagem se faz de modesto, mas ironiza o leitor comum ao fazer referências que somente um leitor mais refinado saberia identificar, como segue: “...Que Stendhal confessasse haver escrito um de seus livros para cem leitores, coisa é que se admira e consterna.”  (quem é Stendhal? – filósofo e escritor francês).
            O enredo de “Memórias Póstumas de Brás Cubas” em si é o que menos interessa sobressaindo o modo como é narrado, pois Machado de Assis se utiliza de recursos linguísticos para causar o deboche / humor e criticar com fina ironia o grande público burguês da época, que liam as obras do Romantismo.
            O autor usa de propósito uma linguagem repleta de duplos sentidos, metáforas, vocabulário mais erudito para justamente criticar os romances escritos. Uma das figuras de linguagem também utilizada é a gradação, como no exemplo: “...é se este outro livro não tiver os cem leitores de Stendhal, nem cinquenta, nem vinte, e quanto muito dez... Dez! Talvez cinco.” Também acontece no momento de seu funeral: “...Acresce que chovia – peneirava – uma chuvinha miúda, triste e constante,...”.
     O protagonista conta sua história à medida que se lembra dos eventos que se sucederam em sua existência. Ele mergulha no passado e medita sobre suas ações, comportamentos, avalia os amigos, os familiares e revela um ponto de vista sarcástico, hipócrita e desiludido de sua própria pessoa e dos que o cercam, revelando que tudo que há na vida é um jogo de interesses: “...Bom e fiel amigo! Não, não me arrependo das vinte apólices que lhe deixei.”

domingo, 24 de maio de 2015


UNIP - Universidade Paulista
CURSO: Letras - Licenciatura Português/Inglês
Campus Vergueiro – Período Noite
Disciplina: LITERATURA BRASILEIRA - Poesia

 
 
ÁNALISE LITERÁRIA de “MORTE E VIDA SEVERINA”:
Dimensões estéticas fortes e cruéis

 
Angela Maria J. Vitor                       
Gabriela Rovero do Nascimento         

 

 

RESUMO: O presente trabalho tem por objetivo efetuar uma análise literária sob o ponto de vista da estética utilizada por João Cabral de Melo Neto. “Morte e Vida Severina” é um dos mais importantes poemas do autor, constituindo uma espécie de tradução poética do universo pernambucano. É um poema dramático já definitivamente incorporado à sensibilidade nacional, lido, representado, musicado e televisionado, proibido e liberado, sendo sem dúvida um dos pontos culminantes da poesia social brasileira, a qual justamente no Nordeste encontrou seus mais autênticos cultores, de Castro Alves e Augusto dos Anjos a João Cabral de Melo Neto. Apresentando uma estrutura mais fixa e com versos rimados, seu estilo não é marcado pelo sentimentalismo, é mais objetivo, racional. A obra de João Cabral de Melo Neto pode ser considerada construtivista. Não tem romantismo em seus escritos, o poeta buscava descrever as percepções do real, colocando de forma concreta as sensações. Além disso, o autor buscava as oposições na sua poesia. Sem abrir mão do rigor imagético e da síntese expressiva, alcança uma comunicabilidade maior, talvez em função de ter escrito em forma de uma peça de teatro – destinada, portanto, a um público mais amplo do que aquele que sua poesia poderia alcançar.

 

PALAVRAS-CHAVE: Morte e Vida Severina; Melo Neto; estética; linguagem; crítica social.

 

 
 

INTRODUÇÃO:

O Modernismo brasileiro foi um amplo movimento cultural que repercutiu fortemente sobre a cena artística e a sociedade brasileira na primeira metade do século XX. O movimento foi desencadeado a partir da assimilação de tendências culturais e artísticas lançadas pelas vanguardas europeias no período que antecedeu a Primeira Guerra Mundial, como o Cubismo e o Futurismo. Considera-se a “Semana de Arte Moderna”, realizada no Theatro Municipal de São Paulo, em Fevereiro de 1922 (dias 13, 15 e 17), como ponto de partida do modernismo no Brasil.

A Primeira Geração Modernista (1922-1930) possui o seu sentido verdadeiramente específico, porque, embora lançados inúmeros processos e ideias novas, o movimento modernista foi essencialmente destruidor: foi caracterizada pela tentativa de definir e marcar posições, sendo ela rica em manifestos e revistas de circulação efêmera. Foi o período mais radical do movimento modernista, rompendo com todas as estruturas do passado.

A Segunda Geração Modernista (1930-1945) foi rica na produção poética e, também, na prosa. O universo temático amplia-se com a preocupação dos artistas com o destino do Homem e no estar-no-mundo. Ao contrário da sua antecessora, foi construtiva. Não sendo uma sucessão brusca, as poesias das gerações de 22 e 30 foram contemporâneas. A maioria dos poetas de 30 absorveram experiências de 22, como a liberdade temática, o gosto da expressão atualizada ou inventiva, o verso livre e o antiacademicismo.

Com a transformação do cenário sócio-político do Brasil, a literatura também se transformou: o fim da Era Vargas, a ascensão e queda do Populismo, a Ditadura Militar, e o contexto da Guerra Fria, foram, portanto, de grande influência na Terceira Geração do Modernismo (1945-1975). Na prosa, tanto no romance quanto no conto, houve a busca de uma literatura intimista, de sondagem psicológica e introspectiva, tendo como destaque Clarice Lispector. O regionalismo, ao mesmo tempo, ganha uma nova dimensão com a recriação dos costumes e da fala sertaneja com Guimarães Rosa, penetrando fundo na psicologia do jagunço do Brasil central. A pesquisa da linguagem foi um traço caraterístico dos autores citados, sendo eles chamados de instrumentalistas. Aqui entra a poesia de João Cabral de Melo Neto.

João Cabral de Melo Neto (1920-1999) nasceu em Recife e é considerado um dos maiores poetas da Geração de 45, assim chamada por rejeitar os “excessos do modernismo” (devido ao contexto sócio-político acima citado) para elaborar uma poesia de rigor formal, construindo uma expressão poética mais disciplinada.

Filho de Luiz Antônio Cabral de Melo e de Carmem Carneiro-Leão Cabral de Melo, passou muito tempo em engenhos de açúcar, já que seu pai era um senhor de engenho. Quando tinha apenas oito anos, João adorava os cordéis e costumava ler vários para os empregados do engenho. É dessa época que vem a preocupação com o povo nordestino, o menino via as diferenças da vida dos mais ricos, senhores de engenho, e dos mais pobres.

Conviveu com Manuel Bandeira e Gilberto Freyre, que eram seus primos. Com apenas o curso secundário mudou-se para o Rio de Janeiro e ingressou no funcionalismo público. Três anos depois, através de concurso, mudou-se para o Itamarati, ocupando cargos diplomáticos e morando em várias cidades do mundo, como Londres, Sevilha, Barcelona, Marselha, Berna, Genebra.

            Apesar de ser cronologicamente um poeta da Geração de 45, João Cabral seguiu um caminho próprio, recuperando certos traços da poesia de Drummond e Murilo Mendes, como a poesia substantiva e a precisão dos vocábulos, produzindo uma poesia de caráter objetivo numa linguagem sem sentimentalismo e rompendo com a definição de “poesia profunda” utilizada até então. Para o poeta, “a poesia não é fruto de inspiração em razão do sentimento”, mas de transpiração: “fruto do trabalho paciente e lúcido do poeta”. Algumas palavras são usadas sistematicamente na poesia deste autor: cana, pedra, osso, esqueleto, dente, gume, navalha, faca, foice, lâmina, cortar, esfolado, baía, relógio, seco, mineral, deserto, asséptico, vazio, fome. Coisas sólidas e sensações táteis: uma poesia do concreto.

Um dos textos mais conhecidos deste autor é “Morte e Vida Severina - um auto de natal pernambucano” (1954-1955), que apresenta maior equilíbrio entre rigor formal e temática social.

Convidado a escrever um auto de natal, ou seja, uma representação do nascimento de Jesus, o poeta optou por localizar seu texto no Nordeste brasileiro. Em vez de narrar diretamente o nascimento de Jesus, o auto começa de um modo inusitado: acompanhando a trajetória de Severino, um retirante do agreste que segue para o litoral em busca de melhores condições de vida e tem seu caminho pontuado por encontros com a morte. Peça literária de natureza regionalista, tradição medieval, forte religiosidade, linguagem próxima ao registro oral, apresenta vários aspectos do folclore nordestino em sua construção formal, distribuídos ao longo dos dezoitos trechos que compõem a obra.

Além das denúncias de certos problemas sociais do Nordeste, constitui uma reflexão sobre a condição humana. Nela, o poeta mantém a tradição dos autos medievais, fazendo uso da musicalidade, do ritmo e das redondilhas, recursos que agradam o povo. Melo Neto não precisa recorrer ao pathos ("paixão") para criar uma atmosfera poética, fugindo de qualquer tendência romântica, mas busca uma construção elaborada e pensada da linguagem e d o dizer da sua poesia, transformando toda a percepção em imagem de algo concreto e relacionado aos sentidos.

Aliando forma, conteúdo e linguagem numa tríade, a obra atribuí um carater singular à poesia cabralina, apresentada por Bosi como:

“... o seu poema longo mais equilibrado entre rigor formal e temática paticipante, conta o roteiro de Severino, um homem do Agreste que vai em demanda do litoral e topa em cada parada com a morte, presença anônima e coletiva, até que no último pouso chega a nova do nascimento de um menino, símbolo de algo que resiste à constante negação da existencia.” (BOSI, 1994, pg. 471).

Utilizando uma linguagem seca, de poucos adjetivos, e uma construção tradicional dos romanceiros populares. Segundo o autor, “(...) o Recife é o depósito de miséria de todo Nordeste”. Além disso, existe uma tensão no poema que não há em outras obras: embora reproduza a linguagem da literatura de cordel, dos romanceiros populares, da gente humilde e analfabeta, não há gírias ou coloquialismos regionais, como os que os escritores da virada do século XIX para o XX gostavam de utilizar, fazendo com que o texto seja construído de maneira próxima à norma culta.

            Numa coluna que possuía no jornal Folha da Manhã, de São Paulo, Antônio Candido exalta a estreia de João Cabral de Melo Neto com Pedra do Sono e reconhece ainda que os poemas de Cabral têm “um mínimo de matéria discursiva e um máximo de libertação do vocábulo”.

            Toda a primeira parte do poema (O RETIRANTE EXPLICA AO LEITOR QUEM É E A QUE VAI – CABRAL, 2000, p. 45-46) é conduzida pela explicação do nome “Severino”, que parece determinar a vida da personagem:

“O meu nome é Severino,
como não tenho outro de pia.
Como há muitos Severinos,
que é santo de romaria,
deram então de me chamar
Severino de Maria;
como há muitos Severinos
com mães chamadas Maria,
fiquei sendo o da Maria
do finado Zacarias.
Mas isso ainda diz pouco:
há muitos na freguesia,
por causa de um coronel
que se chamou Zacarias
e que foi o mais antigo
senhor desta sesmaria.
Como então dizer quem fala
ora a Vossas Senhorias?
Vejamos: é o Severino
da Maria do Zacarias,
lá da serra da Costela,
limites da Paraíba.
Mas isso ainda diz pouco:
se ao menos mais cinco havia
com nome de Severino
filhos de tantas Marias
mulheres de outros tantos,
já finados, Zacarias,
vivendo na mesma serra
magra e ossuda em que eu vivia.
Somos muitos Severinos
iguais em tudo na vida:
na mesma cabeça grande
que a custo é que se equilibra,
no mesmo ventre crescido
sobre as mesmas pernas finas,
e iguais também porque o sangue
que usamos tem pouca tinta.
E se somos Severinos
iguais em tudo na vida,
morremos de morte igual,
mesma morte severina:
que é a morte de que se morre
de velhice antes dos trinta,
de emboscada antes dos vinte,
de fome um pouco por dia
(de fraqueza e de doença
é que a morte Severina
ataca em qualquer idade,
e até gente não nascida).
Somos muitos Severinos
iguais em tudo e na sina:
a de abrandar estas pedras
suando-se muito em cima,
a de tentar despertar
terra sempre mais extinta,
a de querer arrancar
algum roçado da cinza.
Mas, para que me conheçam
melhor Vossas Senhorias
e melhor possam seguir
a história de minha vida,
passo a ser o Severino
que em vossa presença emigra”.
 

Além de ser filho de uma das muitas Marias e de um dos muitos falecidos Zacarias, o retirante reconhece sua vida igual à dos outros Severinos. Mais do que isso, como bem observado por Homero Araújo:

“Depois dos versos clássicos que definem a condição severina e referem seu caráter coletivo e desgraçado (Somos muitos Severinos), o poema volta a dirigir-se ao público na segunda pessoa do plural do pronome de tratamento, o que dá um caráter cerimonioso ao apelo (Mas, para que me conheçam / melhor Vossas Senhorias). Tal referência é incluída na oração adversativa de caráter elucidativo e pedagógico a enfatizar que o Severino que em vossa presença emigra é um artifício poético a simbolizar a classe / condição severina.” (ARAUJO, 2002, p. 139-140).
 

O nome próprio Severina é usado como adjetivo no título, sugerindo uma ampliação de sentido que é confirmada logo nas primeiras palavras do retirante, que, ao tentar se apresentar, evidencia que sua situação particular é, na verdade, uma metonímia do que ocorre com outros sertanejos, igualmente vítimas da seca.

Em seu caminho em direção ao litoral, Severino alterna diálogos e monólogos. Os primeiros representam os encontros sucessivos com figuras simbólicas da morte (irmãos de almas, carpideiras, rezadeiras, funeral) inseridas no fundo social da peça, que é a disputa pela terra. Já os monólogos mostram as reflexões do retirante, que tenta redefinir seus rumos depois de cada diálogo.

Os pontos culminantes da trajetória fatalista do retirante são a morte do rio cujo percurso ele acompanha até o litoral – representação de um meio que se rende à morte como o morador instalado nele – e o paradoxo do contato com ofícios que demonstram vitalidade justamente porque associados à morte (rezadeira, coveiro, farmacêutico etc).

A chegada à cidade é a desilusão final do retirante. O diálogo travado entre os coveiros funciona como sua sentença de rendição à morte, ato máximo de seu desespero. Por outro lado, o nascimento de uma criança instala a contradição entre a opção de saltar fora da vida, desistindo dela e a alternativa de agarrar-se à existência e resistir à morte opressora. Nesse sentido, a simbologia da criança – para além de figurar o nascimento de Cristo, em sua condição de filho de carpinteiro – abarca a ideia da purificação, da limpeza de toda a podridão associada à morte. 

A peça não resolve a contradição, já que sua última fala é a do carpina propondo a vida a Severino, sem que se saiba a opção feita por este. No entanto, o título da peça, que propõe o encontro final com a vida, parece sugerir a vitória da resistência e da insistência na esperança.

  

CONSIDERAÇÕES FINAIS:
            Em síntese, João Cabral de Melo Neto imprimiu em “Morte de Vida Severina”, a possibilidade de várias leituras. Tome-se como exemplo, o trecho em que começam a chegar pessoas trazendo presentes para o recém-nascido e para a mãe (– CAMEÇAM A CHEGAR PESSOAS TRAZENDO PRESENTES PARA O RECÉM-NASCIDO - CABRAL, 2000, p. 74-75):

“- Minha pobreza tal é
que não trago presente grande:
trago para a mãe caranguejos
pescados por esses mangues;
mamando leite de lama
conservará nosso sangue.
- Minha pobreza tal é
que coisa não posso ofertar:
somente o leite que tenho
para o meu filho amamentar;
aqui são todos irmãos,
de leite, de lama, de ar.
- Minha pobreza tal é
que não tenho presente melhor:
trago papel e jornal
para lhe servir de cobertor,
cobrindo-se assim de letras,
vai um dia ser doutor.
- Minha pobreza tal é
que não tenho presente caro:
como não posso trazer
um olho d‘água de Lagoa do Carro,
trago aqui água de Olinda,
água de bica do Rosário.”.

            Como disse o autor “esta passagem existe no pastoril pernambucano” e ele apenas alterou os presentes. A originalidade desta alteração imprimiu ao texto, sem exotismos, a forte marca da cultura nordestina. A origem e a natureza dos presentes recebidos (caranguejos, leite de outra mãe, papel de jornal, agua de bica e outros) representam a geografia socioeconômica dos bairros do Recife e outras cidades pernambucanas. Assim, tal qual Severino, Pernambuco/Recife se constitui numa metáfora.

            Miséria denunciada através de uma linguagem coesa e engajada, sutilmente trabalhada, retomando o medievalismo característico do passado colonial, evidenciado no latifúndio, coronelismo, teocentrismo, temas abordados no texto na interpretação dialética entre obra de arte e meio social. O forte apelo social expõe os conflitos existentes no texto, partindo das claras dicotomias identidade X identificação, inclusão X exclusão, luta X resistência, morte X vida, no cenário do regionalismo nordestino de meados da década de 50 que vê “na degradação do homem uma consequência da espoliação econômica, não o seu destino individual.” (CANDIDO, 2000, pg. 160).

João Cabral é da primeira geração de escritores que aproveitou as conquistas modernistas para ampliar os horizontes literários brasileiros. É verdade que o poema aqui analisado pouco se vale das inovações vanguardistas, se pensarmos no tratamento dado à linguagem e à construção do poema em comparação a outras obras modernistas. Mas há pontos que tornam o poema um marco da poesia e da literatura brasileiras:

  • Essa geração super-regionalista fundiu as práticas de vanguarda com os temas regionais: poucas vezes o regionalismo tratou com tanta atenção e detalhamento a vida do homem nordestino, trabalhador, retirante, englobando aí os assuntos que mais lhe atormentam, como a morte e a incerteza do dia seguinte;
  • “Morte e Vida Severina” retrata a vida do retirante como poucas obras fizeram, talvez as únicas que podem ser citadas são “O Quinze”, de Raquel de Queiroz, e “Vidas Secas”, de Graciliano Ramos. Mas elas possuem inúmeras diferenças com a obra cabralina;
  • É verdade que “Morte e Vida Severina” tem um forte apelo social, mostrando o drama de um homem que não tem trabalho fixo e fica vagando pelo sertão, porém, sem retratar especificamente o drama da seca, sabendo-se que ele está lá e que isso é determinante na vida das personagens;
  • Mas o grande desafio do retirante é o confronto que trava, ao longo do poema, com a morte. Ousando um pouco, ela pode ser encarada como uma personagem, adquirindo um tratamento mágico, já que acompanha Severino durante toda sua jornada e não lhe deixa esquecer sua condição e seu destino fatal.

São elementos que certamente influenciaram João Cabral na construção do texto. O poeta viveu o que se denominou de consciência dilacerada do atraso, localizada em torno da metade do século XX. De um lado, o Brasil cresce num ritmo vertiginoso, com fábricas e indústrias instalando-se por todo país, com as grandes cidades recebendo o título de metrópoles, com a urbanização, enfim, tomando conta de áreas campestres (o que desencadeou o êxodo rural). Mas de outro lado, temos ainda um Brasil arcaico, que não tem luz elétrica – e em muitos casos, nem sabe o que é isso –, uma região onde não existem leis e a ordem é mantida por facões e espingardas.

Enfim, o Auto, “Morte e Vida Severina”, é um claro exemplo de como João Cabral articulou o estético e o sociocultural numa perspectiva estruturalista que, embora escrito na década de 50, se permite a leituras e releituras e abordagens que se valem, também, de conceitos e categorias recentes de análises literárias.

 
REFERÊNCIAS:

- MELO NETO, João Cabral de. Morte e Vida Severina e outros poemas para vozes - 4ª edição. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 2000. (págs. 43-80);

- CANDIDO, Antônio. A educação pela noite e outros ensaios. 3ª edição. São Paulo: Editora Ática, 2000.

- BOSI, Alfredo. Historia Concisa da Literatura Brasileira - 41ª edição. São Paulo: Editora Cultrix, 1994. (págs. 469-472);

- ARAÚJO, Homero José Vizeu. O poema no sistema – A peculiaridade do antilírico João Cabral na poesia brasileira. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2002.

 
http://pt.wikipedia.org/wiki/Modernismo_no_Brasil

http://pt.wikipedia.org/wiki/Jo%C3%A3o_Cabral_de_Melo_Neto

http://200.17.141.110/periodicos/revista_forum_identidades/revistas/ARQ_FORUM_IND_6/SESSAO_L_FORUM6_05.pdf