sábado, 21 de novembro de 2015

ANÁLISE COMPARATIVA DE TRECHOS DE OBRAS:

O humor em “Memórias de um Sargento de Milícias” e “Memórias Póstumas de Brás Cubas”


Manuel Antônio de Almeida escreveu “Memórias de um Sargento de Milícias” em 1854, sendo que o tempo da narrativa se passa no período da vinda e permanência da Família Real no Brasil (1808-1822), conforme a frase inicial do livro: “Era no tempo do rei.”. Estabelece-se assim um paralelo entre o presente e o passado.
O livro possui uma inversão de valores, dos personagens e da sociedade em si, que se opõem aos romances românticos da época.
O foco narrativo acontece em 3ª. pessoa, com o narrador onisciente, que interfere no texto, faz observações, procurando estabelecer um contato com o leitor numa relação de camaradagem, como atesta o trecho a seguir: “... Voltemos à esquina.”. Apesar de ser onisciente, o narrador apenas conta os fatos como se apresentam, com um olhar externo, mantendo distanciamento sem envolvimento emocional e/ou psicológico.
O humor se faz presente através das oposições extremas, como se percebe na comparação dos trechos a seguir: “...Os meirinhos de hoje não são mais do que a sombra caricata dos meirinhos do tempo do rei; esses eram gente temível e temida, respeitável e respeitada; formavam um dos extremos da formidável cadeia judiciária que envolvia todo o Rio de Janeiro...” e “...Os meirinhos de hoje são homens como quaisquer outros; nada tem de imponentes, nem no seu semblante nem no seu trajar, confundem-se com qualquer procurador, escrevente de cartório ou contínuo de repartição.”. Também há o uso de aumentativos, como em: “...Chamavam assim a uma rotunda e gordíssima personagem de cabelos brancos e carão avermelhado...” e de adjetivos pejorativos, como: “...A velhice tinha-o tornado moleirão e pachorrento; com sua vagareza atrasava o negócio das partes...”.
            Há a crítica também aos costumes da sociedade, como por exemplo, à corrupção do sistema judiciário, conforme o trecho: “...era uma sentença de peregrinação eterna que se pronunciava contra si mesmo; queriam dizer que começava uma longa e afadigosa viagem, cujo termo bem distante era a caixa da Relação, e durante a qual se tinha de pagar importe de passagem em um sem-números de pontos; o advogado, o procurador, o inquiridor, o escrivão, o juiz, inexoráveis Carontes, estavam à porta de mão estendida,...”.
            A caricatura, o que faz rir, a ironia, misturam-se em um conjunto que retrata o ridículo de diversas situações que se desenrolam.
            Já em “Memórias Póstumas de Brás Cubas” (Machado de Assis - 1881), o tom de humor não é baseado na ridicularização dos fatos, mas sim, no autodeboche e pouco caso do leitor, como é verificado logo no começo o livro, em sua dedicatória: “Ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver, dedico com saudosa lembrança estas memórias póstumas.”.
            O foco narrativo é realizado em 1ª. pessoa, com um narrador-observador, que é o próprio protagonista, participando ativamente de toda a história, refletindo sobre a falta de sentido da vida.
            O personagem se faz de modesto, mas ironiza o leitor comum ao fazer referências que somente um leitor mais refinado saberia identificar, como segue: “...Que Stendhal confessasse haver escrito um de seus livros para cem leitores, coisa é que se admira e consterna.”  (quem é Stendhal? – filósofo e escritor francês).
            O enredo de “Memórias Póstumas de Brás Cubas” em si é o que menos interessa sobressaindo o modo como é narrado, pois Machado de Assis se utiliza de recursos linguísticos para causar o deboche / humor e criticar com fina ironia o grande público burguês da época, que liam as obras do Romantismo.
            O autor usa de propósito uma linguagem repleta de duplos sentidos, metáforas, vocabulário mais erudito para justamente criticar os romances escritos. Uma das figuras de linguagem também utilizada é a gradação, como no exemplo: “...é se este outro livro não tiver os cem leitores de Stendhal, nem cinquenta, nem vinte, e quanto muito dez... Dez! Talvez cinco.” Também acontece no momento de seu funeral: “...Acresce que chovia – peneirava – uma chuvinha miúda, triste e constante,...”.
     O protagonista conta sua história à medida que se lembra dos eventos que se sucederam em sua existência. Ele mergulha no passado e medita sobre suas ações, comportamentos, avalia os amigos, os familiares e revela um ponto de vista sarcástico, hipócrita e desiludido de sua própria pessoa e dos que o cercam, revelando que tudo que há na vida é um jogo de interesses: “...Bom e fiel amigo! Não, não me arrependo das vinte apólices que lhe deixei.”