UNIP - Universidade Paulista
CURSO: Letras - Licenciatura Português/Inglês
Campus Vergueiro – Período Noite
Disciplina: LITERATURA BRASILEIRA
- Poesia
ÁNALISE LITERÁRIA de “MORTE E VIDA SEVERINA”:
Dimensões estéticas fortes e cruéis
Gabriela Rovero do
Nascimento
RESUMO: O presente trabalho tem por objetivo
efetuar uma análise literária sob o ponto de vista da estética utilizada por
João Cabral de Melo Neto. “Morte e Vida
Severina” é um dos mais importantes poemas do autor, constituindo uma
espécie de tradução poética do universo pernambucano. É um poema dramático já
definitivamente incorporado à sensibilidade nacional, lido, representado,
musicado e televisionado, proibido e liberado, sendo sem dúvida um dos pontos
culminantes da poesia social brasileira, a qual justamente no Nordeste
encontrou seus mais autênticos cultores, de Castro Alves e Augusto dos Anjos a
João Cabral de Melo Neto. Apresentando
uma estrutura mais fixa e com versos rimados, seu estilo não é marcado pelo
sentimentalismo, é mais objetivo, racional. A obra de João Cabral de Melo Neto
pode ser considerada construtivista. Não tem romantismo em seus escritos, o
poeta buscava descrever as percepções do real, colocando de forma concreta as
sensações. Além disso, o autor buscava as oposições na sua poesia. Sem abrir
mão do rigor imagético e da síntese expressiva, alcança uma comunicabilidade
maior, talvez em função de ter escrito em forma de uma peça de teatro –
destinada, portanto, a um público mais amplo do que aquele que sua poesia
poderia alcançar.
PALAVRAS-CHAVE:
Morte e Vida
Severina; Melo Neto; estética; linguagem; crítica social.
INTRODUÇÃO:
O Modernismo brasileiro
foi um amplo movimento cultural que repercutiu fortemente sobre a cena
artística e a sociedade brasileira na primeira metade do século XX.
O movimento foi desencadeado a partir da assimilação de tendências culturais e
artísticas lançadas pelas vanguardas europeias no período que antecedeu a Primeira Guerra Mundial, como o Cubismo e o Futurismo.
Considera-se a “Semana de Arte Moderna”, realizada no Theatro Municipal de São Paulo, em Fevereiro de 1922 (dias 13, 15 e 17),
como ponto de partida do modernismo no Brasil.
A Primeira Geração Modernista
(1922-1930) possui o seu sentido verdadeiramente específico, porque, embora
lançados inúmeros processos e ideias novas, o movimento modernista foi essencialmente
destruidor: foi caracterizada pela tentativa de definir e marcar posições,
sendo ela rica em manifestos e revistas de circulação efêmera. Foi o período
mais radical do movimento modernista, rompendo com todas as estruturas do
passado.
A Segunda Geração
Modernista (1930-1945) foi rica na produção poética e, também, na prosa. O
universo temático amplia-se com a preocupação dos artistas com o destino do
Homem e no estar-no-mundo. Ao contrário da sua antecessora, foi construtiva.
Não sendo uma sucessão brusca, as poesias das gerações de 22 e 30 foram
contemporâneas. A maioria dos poetas de 30 absorveram experiências de 22, como
a liberdade temática, o gosto da expressão atualizada ou inventiva, o verso livre
e o antiacademicismo.
Com a transformação do
cenário sócio-político do Brasil, a literatura também se transformou: o fim da Era Vargas,
a ascensão e queda do Populismo, a Ditadura Militar, e o contexto da Guerra Fria,
foram, portanto, de grande influência na Terceira Geração do Modernismo
(1945-1975). Na prosa, tanto no romance quanto no conto, houve a busca de uma
literatura intimista, de sondagem psicológica e introspectiva, tendo como
destaque Clarice Lispector. O regionalismo, ao mesmo
tempo, ganha uma nova dimensão com a recriação dos costumes e da fala sertaneja
com Guimarães Rosa, penetrando fundo na psicologia do jagunço do Brasil central. A pesquisa da linguagem
foi um traço caraterístico dos autores citados, sendo eles chamados de
instrumentalistas. Aqui entra a poesia de João Cabral de Melo Neto.
João Cabral de Melo Neto
(1920-1999) nasceu em Recife e é considerado um dos maiores poetas da Geração de 45,
assim chamada por rejeitar os “excessos do modernismo” (devido
ao contexto sócio-político acima citado) para elaborar uma poesia de rigor
formal, construindo uma expressão poética mais disciplinada.
Filho de Luiz Antônio
Cabral de Melo e de Carmem Carneiro-Leão Cabral de Melo, passou muito tempo em
engenhos de açúcar, já que seu pai era um senhor de engenho. Quando tinha
apenas oito anos, João adorava os cordéis e costumava ler vários para os
empregados do engenho. É dessa época que vem a preocupação com o povo
nordestino, o menino via as diferenças da vida dos mais ricos, senhores de
engenho, e dos mais pobres.
Conviveu com Manuel Bandeira
e Gilberto
Freyre, que eram seus primos. Com apenas o curso secundário mudou-se para o
Rio de Janeiro e ingressou no funcionalismo público. Três anos depois, através
de concurso, mudou-se para o Itamarati, ocupando cargos diplomáticos e morando
em várias cidades do mundo, como Londres, Sevilha, Barcelona, Marselha, Berna,
Genebra.
Apesar
de ser cronologicamente um poeta da Geração de 45, João Cabral seguiu um
caminho próprio, recuperando certos traços da poesia de Drummond
e Murilo Mendes, como a poesia substantiva e a precisão dos vocábulos,
produzindo uma poesia de caráter objetivo numa linguagem sem sentimentalismo e
rompendo com a definição de “poesia profunda” utilizada até então. Para o
poeta, “a poesia não é fruto de inspiração em razão do sentimento”, mas de
transpiração: “fruto do trabalho paciente e lúcido do poeta”. Algumas palavras são usadas
sistematicamente na poesia deste autor: cana, pedra, osso, esqueleto, dente,
gume, navalha, faca, foice, lâmina, cortar, esfolado, baía, relógio, seco,
mineral, deserto, asséptico, vazio, fome. Coisas sólidas e sensações táteis:
uma poesia do concreto.
Um dos textos mais
conhecidos deste autor é “Morte e Vida Severina - um auto de natal pernambucano” (1954-1955), que apresenta maior
equilíbrio entre rigor formal e temática social.
Convidado a escrever um auto de natal, ou seja, uma
representação do nascimento de Jesus, o poeta optou por localizar seu texto no
Nordeste brasileiro. Em vez de narrar diretamente o nascimento de Jesus, o auto
começa de um modo inusitado: acompanhando a trajetória de Severino, um
retirante do agreste que segue para o litoral em busca de melhores condições de
vida e tem seu caminho pontuado por encontros com a morte. Peça literária de
natureza regionalista, tradição medieval, forte religiosidade, linguagem
próxima ao registro oral, apresenta vários aspectos do folclore nordestino em
sua construção formal, distribuídos ao longo dos dezoitos trechos que compõem a
obra.
Além das
denúncias de certos problemas sociais do Nordeste, constitui uma reflexão sobre
a condição humana. Nela, o poeta mantém a tradição dos autos medievais, fazendo
uso da musicalidade, do ritmo e das redondilhas, recursos que agradam o povo. Melo
Neto não precisa
recorrer ao pathos
("paixão")
para criar uma atmosfera poética, fugindo de qualquer tendência romântica,
mas busca uma construção elaborada e pensada da linguagem
e d o dizer da sua poesia, transformando
toda a percepção em imagem de algo concreto e relacionado aos sentidos.
Aliando forma, conteúdo e
linguagem numa tríade, a obra atribuí um carater singular à poesia cabralina,
apresentada por Bosi como:
“... o seu poema longo mais equilibrado entre rigor formal e temática
paticipante, conta o roteiro de Severino, um homem do Agreste que vai em demanda
do litoral e topa em cada parada com a morte, presença anônima e coletiva, até
que no último pouso chega a nova do nascimento de um menino, símbolo de algo
que resiste à constante negação da existencia.” (BOSI, 1994, pg. 471).
Utilizando uma linguagem
seca, de poucos adjetivos, e uma construção tradicional dos romanceiros
populares. Segundo o autor, “(...)
o Recife é o depósito de miséria de todo Nordeste”. Além disso, existe uma tensão no
poema que não há em outras obras: embora reproduza a linguagem da literatura de
cordel, dos romanceiros populares, da gente humilde e analfabeta, não há gírias
ou coloquialismos regionais, como os que os escritores da virada do século XIX
para o XX gostavam de utilizar, fazendo com que o texto seja construído de
maneira próxima à norma culta.
Numa
coluna que possuía no jornal Folha da Manhã, de São Paulo, Antônio Candido exalta
a estreia de João Cabral de Melo Neto com Pedra
do Sono e reconhece ainda que os poemas de Cabral têm “um mínimo de matéria discursiva e um
máximo de libertação do vocábulo”.
Toda
a primeira parte do poema (O RETIRANTE EXPLICA AO LEITOR QUEM É E A
QUE VAI – CABRAL, 2000, p. 45-46)
é conduzida pela explicação do nome “Severino”, que parece determinar a vida da
personagem:
“O meu nome é Severino,
como não tenho outro de pia.
Como há muitos Severinos,
que é santo de romaria,
deram então de me chamar
Severino de Maria;
como há muitos Severinos
com mães chamadas Maria,
fiquei sendo o da Maria
do finado Zacarias.
Mas isso ainda diz pouco:
há muitos na freguesia,
por causa de um coronel
que se chamou Zacarias
e que foi o mais antigo
senhor desta sesmaria.
Como então dizer quem fala
ora a Vossas Senhorias?
Vejamos: é o Severino
da Maria do Zacarias,
lá da serra da Costela,
limites da Paraíba.
Mas isso ainda diz pouco:
se ao menos mais cinco havia
com nome de Severino
filhos de tantas Marias
mulheres de outros tantos,
já finados, Zacarias,
vivendo na mesma serra
magra e ossuda em que eu vivia.
Somos muitos Severinos
iguais em tudo na vida:
na mesma cabeça grande
que a custo é que se equilibra,
no mesmo ventre crescido
sobre as mesmas pernas finas,
e iguais também porque o sangue
que usamos tem pouca tinta.
E se somos Severinos
iguais em tudo na vida,
morremos de morte igual,
mesma morte severina:
que é a morte de que se morre
de velhice antes dos trinta,
de emboscada antes dos vinte,
de fome um pouco por dia
(de fraqueza e de doença
é que a morte Severina
ataca em qualquer idade,
e até gente não nascida).
Somos muitos Severinos
iguais em tudo e na sina:
a de abrandar estas pedras
suando-se muito em cima,
a de tentar despertar
terra sempre mais extinta,
a de querer arrancar
algum roçado da cinza.
Mas, para que me conheçam como não tenho outro de pia.
Como há muitos Severinos,
que é santo de romaria,
deram então de me chamar
Severino de Maria;
como há muitos Severinos
com mães chamadas Maria,
fiquei sendo o da Maria
do finado Zacarias.
Mas isso ainda diz pouco:
há muitos na freguesia,
por causa de um coronel
que se chamou Zacarias
e que foi o mais antigo
senhor desta sesmaria.
Como então dizer quem fala
ora a Vossas Senhorias?
Vejamos: é o Severino
da Maria do Zacarias,
lá da serra da Costela,
limites da Paraíba.
Mas isso ainda diz pouco:
se ao menos mais cinco havia
com nome de Severino
filhos de tantas Marias
mulheres de outros tantos,
já finados, Zacarias,
vivendo na mesma serra
magra e ossuda em que eu vivia.
Somos muitos Severinos
iguais em tudo na vida:
na mesma cabeça grande
que a custo é que se equilibra,
no mesmo ventre crescido
sobre as mesmas pernas finas,
e iguais também porque o sangue
que usamos tem pouca tinta.
E se somos Severinos
iguais em tudo na vida,
morremos de morte igual,
mesma morte severina:
que é a morte de que se morre
de velhice antes dos trinta,
de emboscada antes dos vinte,
de fome um pouco por dia
(de fraqueza e de doença
é que a morte Severina
ataca em qualquer idade,
e até gente não nascida).
Somos muitos Severinos
iguais em tudo e na sina:
a de abrandar estas pedras
suando-se muito em cima,
a de tentar despertar
terra sempre mais extinta,
a de querer arrancar
algum roçado da cinza.
melhor Vossas Senhorias
e melhor possam seguir
a história de minha vida,
passo a ser o Severino
que em vossa presença emigra”.
Além de ser filho de uma das muitas Marias e de um
dos muitos falecidos Zacarias, o retirante reconhece sua vida igual à dos
outros Severinos. Mais do que isso, como bem observado por Homero Araújo:
“Depois
dos versos clássicos que definem a condição severina e referem seu caráter
coletivo e desgraçado (Somos muitos Severinos), o poema volta a
dirigir-se ao público na segunda pessoa do plural do pronome de tratamento, o
que dá um caráter cerimonioso ao apelo (Mas, para que me conheçam / melhor
Vossas Senhorias). Tal referência é incluída na oração adversativa
de caráter elucidativo e pedagógico a enfatizar que o Severino que em vossa presença emigra é um artifício poético a
simbolizar a classe / condição severina.” (ARAUJO,
2002, p. 139-140).
O nome próprio Severina é usado como adjetivo no
título, sugerindo uma ampliação de sentido que é confirmada logo nas primeiras
palavras do retirante, que, ao tentar se apresentar, evidencia que sua situação
particular é, na verdade, uma metonímia
do que ocorre com outros sertanejos, igualmente vítimas da seca.
Em seu caminho em direção
ao litoral, Severino alterna diálogos e monólogos. Os primeiros representam os
encontros sucessivos com figuras simbólicas da morte (irmãos de almas, carpideiras,
rezadeiras, funeral) inseridas no fundo social da peça, que é a disputa pela
terra. Já os monólogos mostram as reflexões do retirante, que tenta redefinir
seus rumos depois de cada diálogo.
Os pontos culminantes da
trajetória fatalista do retirante são a morte do rio cujo percurso ele
acompanha até o litoral – representação de um meio que se rende à morte como o
morador instalado nele – e o paradoxo do contato com ofícios que demonstram
vitalidade justamente porque associados à morte (rezadeira, coveiro,
farmacêutico etc).
A chegada à cidade é a
desilusão final do retirante. O diálogo travado entre os coveiros funciona como
sua sentença de rendição à morte, ato máximo de seu desespero. Por outro lado,
o nascimento de uma criança instala a contradição entre a opção de saltar fora
da vida, desistindo dela e a alternativa de agarrar-se à existência e resistir
à morte opressora. Nesse sentido, a simbologia da criança – para além de
figurar o nascimento de Cristo, em sua condição de filho de carpinteiro –
abarca a ideia da purificação, da limpeza de toda a podridão associada à
morte.
A peça não resolve a
contradição, já que sua última fala é a do carpina propondo a vida a Severino,
sem que se saiba a opção feita por este. No entanto, o título da peça, que
propõe o encontro final com a vida, parece sugerir a vitória da resistência e
da insistência na esperança.
CONSIDERAÇÕES
FINAIS:
Em
síntese, João Cabral de Melo Neto imprimiu em “Morte de Vida Severina”, a possibilidade de várias leituras.
Tome-se como exemplo, o trecho em que começam a chegar pessoas trazendo
presentes para o recém-nascido e para a mãe (– CAMEÇAM A CHEGAR
PESSOAS TRAZENDO PRESENTES PARA O RECÉM-NASCIDO - CABRAL, 2000, p. 74-75):
“-
Minha pobreza tal é
que
não trago presente grande:trago para a mãe caranguejos
pescados por esses mangues;
mamando leite de lama
conservará nosso sangue.
- Minha pobreza tal é
que coisa não posso ofertar:
somente o leite que tenho
para o meu filho amamentar;
aqui são todos irmãos,
de leite, de lama, de ar.
- Minha pobreza tal é
que não tenho presente melhor:
trago papel e jornal
para lhe servir de cobertor,
cobrindo-se assim de letras,
vai um dia ser doutor.
- Minha pobreza tal é
que não tenho presente caro:
como não posso trazer
um olho d‘água de Lagoa do Carro,
trago
aqui água de Olinda,
água
de bica do Rosário.”.
Como disse o autor “esta passagem existe no pastoril
pernambucano” e ele
apenas alterou os presentes. A originalidade desta alteração imprimiu ao texto,
sem exotismos, a forte marca da cultura nordestina. A origem e a natureza dos presentes
recebidos (caranguejos, leite de outra mãe, papel de jornal, agua de bica e
outros) representam a geografia socioeconômica dos bairros do Recife e outras
cidades pernambucanas. Assim, tal qual Severino, Pernambuco/Recife se constitui
numa metáfora.
Miséria denunciada através de uma linguagem
coesa e engajada, sutilmente trabalhada, retomando o medievalismo
característico do passado colonial, evidenciado no latifúndio, coronelismo, teocentrismo,
temas abordados no texto na interpretação dialética entre obra de arte e meio
social. O forte apelo social expõe os conflitos existentes no texto, partindo
das claras dicotomias identidade
X identificação, inclusão
X exclusão, luta
X resistência, morte
X vida, no cenário do
regionalismo nordestino de meados da década de 50 que vê “na degradação do
homem uma consequência da espoliação econômica, não o seu destino individual.”
(CANDIDO,
2000, pg. 160).
João Cabral é da primeira geração de escritores que
aproveitou as conquistas modernistas para ampliar os horizontes literários
brasileiros. É verdade que o poema aqui analisado pouco se vale das inovações
vanguardistas, se pensarmos no tratamento dado à linguagem e à construção do
poema em comparação a outras obras modernistas. Mas há pontos que tornam o
poema um marco da poesia e da literatura brasileiras:
- Essa
geração super-regionalista fundiu as práticas de vanguarda com os temas
regionais: poucas vezes o regionalismo tratou com tanta atenção e
detalhamento a vida do homem nordestino, trabalhador, retirante,
englobando aí os assuntos que mais lhe atormentam, como a morte e a
incerteza do dia seguinte;
- “Morte e Vida Severina”
retrata a vida do retirante como poucas obras fizeram, talvez as únicas
que podem ser citadas são “O Quinze”,
de Raquel de Queiroz, e “Vidas Secas”,
de Graciliano Ramos. Mas elas possuem inúmeras diferenças com a obra
cabralina;
- É
verdade que “Morte e Vida Severina”
tem um forte apelo social, mostrando o drama de um homem que não tem
trabalho fixo e fica vagando pelo sertão, porém, sem retratar especificamente
o drama da seca, sabendo-se que ele está lá e que isso é determinante na
vida das personagens;
- Mas
o grande desafio do retirante é o confronto que trava, ao longo do poema,
com a morte. Ousando um pouco, ela pode ser encarada como uma personagem,
adquirindo um tratamento mágico, já que acompanha Severino durante toda
sua jornada e não lhe deixa esquecer sua condição e seu destino fatal.
São elementos que certamente influenciaram João Cabral na
construção do texto. O poeta viveu o que se denominou de consciência dilacerada
do atraso, localizada em torno da metade do século XX. De um lado, o Brasil
cresce num ritmo vertiginoso, com fábricas e indústrias instalando-se por todo
país, com as grandes cidades recebendo o título de metrópoles, com a
urbanização, enfim, tomando conta de áreas campestres (o que desencadeou o
êxodo rural). Mas de outro lado, temos ainda um Brasil arcaico, que não tem luz
elétrica – e em muitos casos, nem sabe o que é isso –, uma região onde não
existem leis e a ordem é mantida por facões e espingardas.
Enfim, o Auto,
“Morte e Vida Severina”, é um claro exemplo de como João Cabral articulou o
estético e o sociocultural numa perspectiva estruturalista que, embora escrito
na década de 50, se permite a leituras e releituras e abordagens que se valem,
também, de conceitos e categorias recentes de análises literárias.
REFERÊNCIAS:
- MELO
NETO, João Cabral de. Morte e Vida
Severina e outros poemas para vozes - 4ª edição. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 2000. (págs. 43-80);
- CANDIDO,
Antônio. A educação pela noite e outros ensaios. 3ª edição. São Paulo: Editora
Ática, 2000.
- BOSI, Alfredo. Historia Concisa da Literatura Brasileira - 41ª edição. São Paulo: Editora Cultrix, 1994.
(págs. 469-472);
- ARAÚJO,
Homero José Vizeu. O poema no sistema – A peculiaridade do antilírico João
Cabral na poesia brasileira. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2002.
http://pt.wikipedia.org/wiki/Jo%C3%A3o_Cabral_de_Melo_Neto
http://200.17.141.110/periodicos/revista_forum_identidades/revistas/ARQ_FORUM_IND_6/SESSAO_L_FORUM6_05.pdf